Perseguição obsessiva é crime! Entenda os detalhes do crime de stalking.
Stalking é uma palavra de origem inglesa derivada da tradução do verbo “to stalk”, que pode ser entendido como ficar à espreita, vigiar, espiar. E, no campo jurídico penal, significa perseguição obsessiva a uma pessoa a ponto de causar-lhe medo e ansiedade, ficando gravemente prejudicada em seu estilo de vida. O termo “stalking” começou a ser usado no final da década de 1980 para descrever a perseguição insistente a celebridades pelos seus fãs. Em 1990, nos Estados Unidos, inicialmente na Califórnia, a conduta foi criminalizada. Atualmente, vários países criminalizam esse tipo de conduta inoportuna.
Por sua vez, o legislador brasileiro fortaleceu a repressão contra referida prática obsessiva em 2021 por meio da lei nº 14.132 que tipificou o crime de perseguição acrescentando ao código penal o Art. 147-A com pena mais grave do que a contravenção penal revogada de perturbação da tranquilidade[1]. Vejamos:
147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
A alteração representou importante contribuição para a visibilidade dessa modalidade de violência que passaremos a abordar em maiores detalhes.
Mas então, o que é “stalkear”?
Você já deu uma “stalkeada”? Não falta hoje em dia quem queira saber um pouco mais sobre determinada pessoa. Trata-se de um instinto investigativo interessante propiciada pelas redes sociais. O problema começa quando a “stalkeada” ganha conotação intensa, reiterada e abusiva, levando o termo, atualmente, à denotação perniciosa, pejorativa e criminosa conforme os termos legais.
Assim, tal atividade tem capacidade de se tornar um grande problema psicológico, às vezes sem que o próprio perseguidor perceba os problemas emocionais e a sua obsessão, mas por trás de um stalker compulsivo existem diversos problemas mal resolvidos, como: traumas, rejeições ou inseguranças. Muitas vezes, a pessoa começa aprendendo como investigar uma pessoa, stalkeando informações diversas, e depois torna-se um viciado em vasculhar a vida alheia.
Como ocorre a prática de stalking/perseguição e quando se consuma o crime?
O crime de perseguição, diferentemente da antiga contravenção penal do art. 65, é praticado por conduta reiterada. Por isso, o legislador criou um tipo penal com pena maior, porém, a conduta penalmente relevante é, também, mais reprovável, pois é reiterada (e não isolada). É, por isso, um crime habitual, uma classificação de crime que se dá a determinados tipos de crimes que demandam uma habitualidade no seu exercício para a concretização do delito.
Além disso, o tipo penal dispõe que a perseguição pode se dar por qualquer meio. Isso significa que a perseguição pode ocorrer, inclusive, por meio da internet (redes sociais, mensagens, etc).
Também depende, o crime de perseguição, do dolo genérico (intenção), não existindo modalidade culposa, ou seja, é requisito da prática do crime que exista no perseguidor a vontade de praticar a perseguição, se consumando por meio da perseguição de forma reiterada.
E por se tratar de crime habitual, NÃO é compatível com a figura de tentativa de prática do crime, pois o crime habitual pressupõe a repetição de atos.
Essa perseguição reiterada tem aptidão para ameaçar a integridade física ou psicológica da vítima.
É importante observar que o tipo penal NÃO exige qualquer ameaça direta à integridade física ou psicológica da vítima. Em verdade, a ameaça à integridade física ou psicológica da vítima é um efeito natural da perseguição.
Por isso, quando o tipo penal dispõe “…ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica” está, em verdade, complementando o sentido de “perseguição“.
Isso significa que, na prática, a vítima sente-se ameaçada pela perseguição (e não porque foi efetivamente ameaçada).
Qual a pena para quem pratica o crime de stalking?
A pena prevista para quem comete este crime é de seis meses a dois anos de prisão e multa, penalidades que aumentam se a perseguição for cometida contra criança, adolescente, idoso, mulher, ou nos casos em que o crime é cometido com o emprego de arma ou por duas ou mais pessoas contra a mesma vítima. Nestas situações, a pena pode chegar a 3 anos de prisão.
Nesse cenário, há possibilidade de um benefício chamado “Acordo de Não Persecução Penal”, que é uma proposta oferecida ao indiciado ANTES do oferecimento da denúncia. Firmado, o acordo será homologado judicialmente e o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal. Aceito o acordo, este não constará em certidão de antecedentes criminais. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade. A vítima não participa do acordo, mas é intimada da homologação e de eventual descumprimento.
Não cabem, neste crime, os benefícios processuais penais designados como suspensão condicional do processo (SURSIS) nem a transação penal, que possuem seus requisitos próprios.
Qual o procedimento para averiguação e repressão da situação?
O artigo 147-A do Código Penal é um crime de ação penal pública condicionada à representação do ofendido, ou seja, conforme o artigo 5º, §4º, do Código de Processo Penal, o inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá ser iniciado sem a autorização formal da vítima para que o Estado prossiga da persecução penal. Contudo, o ofendido ou seu representante legal, decairá no direito de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier, a saber, quem é o autor do crime, nos termos do artigo 38 do Código de Processo Penal.
Elucidaremos, então, as formas de início, por parte da vítima, da persecução penal. Primeiramente, caso o cidadão queira iniciar o registro da situação mediante a autoridade policial, poderá registrar o Boletim de Ocorrência contra o perseguidor, levando consigo o máximo de informações para facilitação do procedimento, seguido da necessária representação cujo prazo é de 6 meses contados do conhecimento da autoria.
Também é possível que, por meio de um advogado, a vítima poderá também realizar uma requisição (ou requerimento) de instauração de inquérito policial perante o delegado demonstrando a necessidade de uma apuração policial de certos comportamentos que se entende como crime. Os envolvidos prestam esclarecimentos e as testemunhas são ouvidas e é feito o relatório final da investigação, que seguem para o Ministério Público o qual toma a decisão se oferece a denúncia, se arquiva ou se é caso de Acordo de Não Persecução Penal. É possível também que a investigação tome início por meio de uma notícia de fato protocolada perante o Ministério Público, mas sugere-se sempre a primeira hipótese de requerimento para fluxo das investigações.
Quem pode ser vítima de stalking?
Muito embora vários dos casos de stalking sejam perpetrados por homens contra mulheres, em contexto de relação doméstica e, portanto, permitam a utilização de medidas de distanciamento no âmbito da Lei Maria da Penha, é preciso reconhecer que existem homens vítimas do delito e, também, vítimas mulheres fora do contexto de violência doméstica e familiar. Claro, portanto, que o crime de stalking não se manifesta apenas em contexto doméstico e familiar.
Como se proteger?
Devemos considerar que o agente que comete stalking tem uma conduta de assédio correspondendo a uma obsessiva perseguição ativa e sucessiva à vítima, sempre na busca incessante de manter-se próximo a esta, por diversas razões, como vingança, amor, ódio ou inveja. Como exemplos das formas de perseguição e meios executórios temos: chamadas no telefone móvel ou celular; espera na saída do trabalho ou residência; envio de presentes indesejados; encontros provocados; cartas; mensagens no celular; e-mail e notificações, entre outros meios inconvenientes de impor a presença refutada e agredir psicologicamente a vítima.
Nesse contexto, há situações graves que precisam ser reprimidas durante a reiteração da conduta, e essas circunstâncias podem demandar acionamentos resguardando a honra, imagem, integridade física, vida entre outros bens tutelados da vítima.
Numa seara condominial, vê-se a necessidade de ações de obrigações de fazer e não fazer cumuladas com liminares que obstem o perseguidor de agir de determinados modos bem como queixas-crimes no âmbito penal. A título elucidativo, trazemos liminares cíveis concedidas pelo poder judiciário para ilustração das situações quer permeiam as perseguições no âmbito condominial:
· Perseguição mediante afirmação de prática de irregularidades consecutivas, levantando a massa condominial contra o síndico:
“No presente caso encontram-se presentes todos os requisitos legais, posto que há comprovação que as contas foram aprovadas pela auditoria externa e também o são mensalmente nas contas onde está incluso também o Bonnaire Office, o risco de dano é iminente, por tal motivo determino que os réus se abstenham de apresentarem comentários em redes sociais ou whatssap, divulgando que existem fraudes ou irregularidades nas contas do Condomínio até ser apurado nestes autos sua regularidade mediante perícia judicial, sob pena de multa diária que fixo em R$1.000,00, por ato de descumprimento. SERVIRÁ O PRESENTE DE OFÍCIO A SER ENTREGUE PELOS PATRONOS DA PARTE AUTORA COM A DEVIDA COMPROVAÇÃO NOS AUTOS.”
por Amanda Lobão Torres