Como garantir seus direitos diante de falhas nos serviços públicos que causam prejuízos aos condomínios

As fortes tempestades que atingiram São Paulo nos últimos dias causaram sérios danos às residências e condomínios da cidade, deixando milhares de pessoas sem energia elétrica por longos períodos. Este cenário crítica não apenas afetou as unidades autônomas, mas também as áreas comuns dos condomínios, resultando em prejuízos significativos.

Um fator preocupante é a infraestrutura de eletricidade da cidade, marcada por uma antiga prática de fiação exposta em postes. Esse modelo, comum em muitas cidades brasileiras, torna a rede elétrica vulnerável a quedas de árvores e descargas atmosféricas durante tempestades severas. Enquanto isso, a implementação de sistemas de fiação subterrânea, uma solução já adotada em diversas cidades do mundo, permanece escassa, com apenas cerca de 10% da fiação enterrada em cidades como São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Essa situação denuncia um descaso alarmante com a segurança e a eficiência dos serviços de energia.

Analisando a situação pelo prisma jurídico, a responsabilidade das concessionárias de energia elétrica é classificada como objetiva. Isso significa que, em caso de falhas na prestação de serviços públicos, como a interrupção do fornecimento de energia, as empresas devem responder pelos danos decorrentes, conforme a teoria do “faute du service” da escola francesa.

O termo “faute du service” é uma expressão francesa que se traduz como “falha no serviço”. No contexto jurídico, especialmente em matéria de responsabilidade civil, refere-se à responsabilidade objetiva das entidades que prestam serviços públicos. Essa teoria foi desenvolvida a partir do direito administrativo francês e implica que, quando um serviço público não é prestado adequadamente e causa danos a indivíduos, a entidade responsável por esse serviço deve ser responsabilizada automaticamente, independentemente de ter agido com culpa ou não.

Em resumo, a “faute du service” estabelece que as concessionárias de serviços públicos, como as de energia elétrica, devem responder pelos danos causados pela falha na prestação de seus serviços, mesmo que não tenham agido com negligência ou intenção de prejudicar. Essa responsabilidade é um mecanismo que visa proteger os direitos dos consumidores e garantir que serviços essenciais sejam realizados de forma adequada.

Então, a responsabilidade da concessionária, como empresa prestadora de serviços públicos (art. 37 , § 6º , da Constituição Federal ), é objetiva. Basta que se comprove a existência do dano e sua relação de causalidade para arcar com os prejuízos causados ao consumidor, não se cogitando do fator culpa”.

Cabe destacar quais são as causas que excluem a responsabilidade civil, são elas:

1. Estado de necessidade;

2. Legitima defesa;

3. Exercício regular do direito;

4. Estrito cumprimento do dever legal;

5. Culpa exclusiva da vitima;

6. Fato de terceiro;

7. Caso fortuito e força maior;

As causas enumeradas de 1 a 4 são as hipóteses que excluem a ilicitude, já os três últimos excluem o nexo causal do ato.

De acordo com o Art. 393 do Código Civil: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.”

No parágrafo único do mesmo artigo, temos a definição que o legislador adotou para os institutos: “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”

Embora o legislador trate ambos os termos de maneira conjunta, a doutrina jurídica busca, frequentemente, estabelecer uma diferenciação entre eles. De maneira breve e simples, podemos destacar que:

  • Caso Fortuito: Refere-se a um evento imprevisível e inevitável. Ou seja, são situações que não podem ser previstas e, consequentemente, não há como se preparar para evitá-las. Exemplos incluem acidentes repentinos e falhas inesperadas de maquinário.
  • Força Maior: Está associada a eventos que, embora possam ser previstos, são inevitáveis em sua ocorrência. Incluem tanto fenômenos naturais, como tempestades e terremotos, quanto eventos humanos, como guerras e revoluções.

A controvérsia em torno desses conceitos se intensifica na medida em que diferentes autores da doutrina oferecem definições variadas para cada um dos termos, ou, em alguns casos, consideram-nos expressões sinônimas. A falta de um consenso claro dificulta a aplicação uniforme desses conceitos nos tribunais, resultando em decisões que podem divergir quanto à interpretação e aplicação do Art. 393 do Código Civil. Isso porque, para a Justiça, a caracterização do evento é muito relevante, pois a partir dessa definição é que se estabelecem os limites da responsabilização civil das empresas e as possíveis indenizações. De todo modo, o artigo 393 do Código Civil estabelece que se pode considerar caso fortuito ou força maior  uma ocorrência de efeitos inevitáveis.

A título exemplificativo, para o STJ, chuvas e ventos fortes não são eventos capazes de caracterizar força maior ou caso fortuito para eximir um shopping center da obrigação de indenizar clientes atingidos pelo desabamento do teto. O entendimento foi firmado pela Terceira Turma ao dar provimento ao recurso de uma consumidora (REsp 1.764.439) que pediu o pagamento de indenização após ser atingida pelo desabamento, ocorrido durante uma tempestade. Em primeira e segunda instâncias, o pedido de indenização foi negado sob o argumento de que o acidente se deveu a força maior ou caso fortuito – fortes chuvas e ventania que atingiram São Paulo naquele dia. No entanto, para a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, a ocorrência de chuvas, mesmo fortes, está dentro da margem de previsibilidade em uma cidade como São Paulo. Ao decidir pela indenização para a consumidora, Nancy Andrighi aplicou ao caso as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, cujo artigo 14 estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo defeito na prestação do serviço, “sendo prescindível, portanto, a demonstração da ocorrência de culpa”.

No mesmo contexto: fato é que a concessionária é obrigada a fornecer serviços seguros, eficientes e adequados. Ela deve responder por todos os prejuízos causados a terceiros, usuários ou ao poder concedente.  Já o poder concedente, a administração pública, também não se exime da responsabilidade objetiva, mas é subsidiariamente responsável pelos danos causados pela concessionária. Mas o poder concedente só responde pelos danos se for comprovada a insolvência da concessionária. 

Ora, os impactos da falta prolongada de energia elétrica são profundos para os moradores de unidades condominiais. É comum que os apagões resultem em danos a aparelhos eletrônicos, além de perdas de medicamentos e alimentos que necessitam de refrigeração. Essa relação entre as concessionárias e os usuários se enquadra nas normas do Direito do Consumidor, assegurando aos consumidores o direito de buscar indenização pelos prejuízos sofridos em decorrência da interrupção do serviço.

Esse direito é respaldado pelo inciso XXXV do artigo 5° da Constituição Federal e por normas administrativas, como a Resolução 1.000/21 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Segundo essa resolução, qualquer prejuízo decorrente de apagões pode ser objeto de ressarcimento, que inclui, entre outros, descontos automáticos na fatura de energia, devendo ser concedido no prazo máximo de dois meses após a interrupção do serviço.

Importante que alguns Tribunais pátrios possuem súmulas que apontam a responsabilidade não somente material da concessionária, como também a indenização moral, como no caso do TJRJ, que em sua Súmula 192 estabelece que “a indevida interrupção na prestação de serviços essenciais de água, energia elétrica, telefone e gás, configura dano moral.” E assim condenou uma concessionária que deixou o consumidor sem fornecimento por 4 dias.

Para pleitear a indenização, é fundamental que o consumidor comprove, por meio de documentos e outras evidências, os danos sofridos e a relação desses danos com a falha no fornecimento. Além da reparação pelos danos materiais, é possível reivindicar indenizações por danos morais e lucros cessantes, especialmente para aqueles cujas atividades profissionais foram afetadas.

O primeiro passo para aqueles que buscam compensação é contatar a concessionária de energia, apresentando provas como fotos ou vídeos de alimentos ou medicamentos danificados, bem como notas fiscais ou orçamentos dos bens perdidos. A concessionária tem um prazo de até 90 dias para resolver a questão de maneira consensual. Se a empresa não responder, o consumidor pode registrar uma reclamação junto à Aneel, que possui autoridade para aplicar multas consideráveis a concessionárias que não cumpram suas obrigações.

Caso não se consiga uma resolução amigável, o próximo passo é buscar a justiça, onde é possível requerer reparação tanto por danos materiais quanto morais. A situação atual, marcada por perdas e prejuízos, ressalta a importância de os consumidores conhecerem seus direitos e exigirem um serviço adequado e seguro.

Em Goiás, um condomínio foi ressarcido após pico de energia danificar elevador. O TJ/GO concluiu que os documentos apresentados pelo residencial demonstram que os danos decorreram de problemas causados por oscilações no fornecimento de energia elétrica.

a relatora constatou que os documentos apresentados pelo condomínio foram suficientes para demonstrar que os danos no elevador decorreram de problemas causados por oscilações/falha no fornecimento de energia elétrica.  

“[O condomínio] apresentou nota fiscal de prestação de serviço de ‘reparo no drive IGBT de modulação de velocidade e torque do elevador’, no valor de R$38.196,00; parecer técnico fornecido por empresa, no qual foi declarado que houve uma variação de energia elétrica ‘fora dos padrões adequados’, e e-mails enviados pela ENEL, nos quais foi negado o pedido de ressarcimento formulado na via administrativa pelo autor/consumidor.”

Ademais, afirmou que a concessionária não apresentou nenhum documento capaz de evidenciar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, “especialmente considerando que a apresentação isolada de print de tela do seu sistema informatizado, indicando suposta inexistência de ‘ocorrências’ na data do fato, não é suficiente para comprovar a ausência do nexo de causalidade em discussão”.[1]

Assim, no caso de quem teve o veículo avariado por causa do temporal, o consumidor pode buscar reparações na Justiça, mas é preciso ter provas. “Os eventos climáticos podem ser classificados como caso fortuito ou força maior, e sua avaliação deve ser feita em cada situação específica, levando em conta todas as circunstâncias envolvidas. O Tribunal de Justiça de São Paulo já proferiu decisões que isentam as concessionárias de responsabilidade por danos causados por eventos naturais. No entanto, também existe jurisprudência que determina que as concessionárias, na sua função de prestadoras de serviços públicos de energia, possuem a obrigação de implementar medidas preventivas. Isso inclui a instalação de dispositivos de segurança eficazes para controlar oscilações na rede elétrica, e, nesse contexto, podem ser responsabilizadas pelos danos que os consumidores venham a sofrer. Famílias que perderam parentes na tempestade também podem ser indenizadas por má prestação de serviço público, a depender do caso e em especial das provas, como laudos e da expectativa de vida. É complicado, mas é possível. Há casos que não vale à pena desistir.” Explica a Dra. Amanda Lobão, advogada condominialista sócia do escritório Lobão Advogados e fundadora da plataforma de ensino SINDIFLIX.

Há casos que condomínio foram ressarcidos pela demora no restabelecimento da energia porque não foi evidenciado pela concessionária que houve situação excepcional e imprevisível capaz de justificar a demora no restabelecimento do serviço, tendo sido considerado falha na prestação do serviço evidenciada pela interrupção desarrazoada e indevida.

Key-words (palavras-chave): Enel Sabesp CPFL serviço público indenização diesel CEMIG energia elétrica água gás

Por Dra. Amanda Lobão.


[1] Processo 5500529-23.2022.8.09.0051

https://sindiflix.com.br/assinatura/

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *